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Afeto, competências socioemocionais e a educação no pós-pandemia

Atualizado: 29 de jun. de 2023

Texto por: Janine Rodrigues



Tenho falado muito sobre a educação baseada na cultura do afeto. Mas de que afeto estamos falando? Não exatamente do abraço, do agrado, do carinho. Para além disso, uma noção fundamental que precisamos ter sobre o afeto é que afeto é tudo que afeta.


Dia desses, uma coordenadora me escreveu e disse: ”Janine, desde que ouvi você falando sobre afeto e sobre o fato de que afeto é tudo que afeta, nunca mais ouvi essa palavra do mesmo jeito.” E eu, então, respondi: ”Fico feliz que a forma, o tom e as palavras que escolhi para falar disso tenham afetado você”.


Se afeto é tudo que afeta, como a escola está afetando seus alunos? E se a escola, assim como toda instituição, é composta de pessoas, como essas pessoas são afetadas e afetam as demais pessoas ao redor? Uma escola que diz valorizar a diversidade, que realiza projetos, programas e verbaliza isso a todo tempo, mas não demonstra em ações práticas (corpo docente diverso, relações étnicas plurais, equidade de gênero, etc.), como será que ela está afetando a comunidade escolar?


Uma criança que está na educação infantil e que tem a educação pela imagem (pelo exemplo) muito mais expressiva, afeta e é afetada de que forma quando seus sentimentos são menosprezados?


Existe um grande equívoco em achar que as crianças não querem ou não se importam com determinadas coisas por serem crianças. Imagine uma cena comum na escola: duas crianças se desentendem e uma chama a outra de feia, de boba, ou algo assim. A criança que recebeu essas palavras vai até o professor reclamar e o professor diz: Ah, não ligue não. Você não tem que se importar. Você não é bobo.


Por mais que o professor tenha agido com carinho, neste caso, ele parece não ter se dado conta de que houve um afeto aí que deixou essa criança triste. Sentir-se triste, afetadamente triste, é involuntário para ela nessa situação.


Algo que pode funcionar melhor é: “Imagino que você deva estar triste. É muito chato passar por isso. Fico triste se te vejo triste. E quero muito que esse sentimento passe logo.”


Afeto demanda escuta. Afeto é mais que um abraço (que também é importante), porém é a consciência de que nos afetamos.


Nos últimos anos, todos nós vivemos momentos de medo, ansiedade, instabilidade… E se antes as competências socioemocionais já eram importantes, hoje o é mais do que nunca.


A Base Nacional Comum Curricular nos apresenta competências emocionais fundamentais e que, sem a consciência de afeto, não podem ser realidades.


  • Autoconsciência;

  • Autogestão;

  • Consciência social;

  • Habilidades de relacionamento;

  • Tomada de decisão responsável.


Nos anos de 2020 e 2021, as perdas foram intensas e inúmeras. Perda de pessoas queridas, perda de rotina, de segurança, de paz e até da capacidade de sonhar com dias melhores. Para muitos grupos sociais, essas perdas já são, infelizmente, frequentes, mas na pandemia foram consideravelmente agravadas.


Imagine na volta às aulas um estudante que não encontra um espaço onde as relações de afeto sejam valorizadas? Onde sua história e suas experiências não encontram espaço de escuta? Uma escola, que se resume a ensinar currículo, que se preocupa somente com equipamentos e tecnologia de ponta e não percebe o quanto a vida cotidiana afeta todos e todas, é uma boa escola?


Precisamos olhar para esses estudantes (e para nós mesmos) mais como sujeitos do que como indivíduos. Nós passamos a noção de que um indivíduo é um ser que está o tempo todo independentemente daquilo que o rodeia. Já o sujeito sofre e faz ação. O sujeito está o tempo todo demandando e sendo demandado pelo meio e, por isso, mesmo o que ele sente e faz sentir é sempre um movimento recorrente. Diante disso, temos dado atenção ao sujeito aluno/aluna? Ou nossa relação com ele parte de uma ideia de que ele não sente/não é afetado?


Se acreditamos nas competências socioemocionais, é incoerente que nossa educação não seja, portanto, baseada na cultura do afeto.


Janine Rodrigues é educadora, escritora e fundadora da Edtech Piraporiando que trabalha em prol da diversidade para a promoção da equidade nas relações éticas, de gênero e classe.


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